Tango-valsa ou apenas Valsa? Como dizer?
No Brasil, corriqueiramente utilizamos o termo tango-valsa para nos referir àquela “valsa argentina” que se parece com o tango. Mas, é correto chamá-la assim?
Num primeiro momento, parece que sim, afinal de contas o “tango-valsa” se parece com um tango, mas tem o ritmo de uma valsa. No entanto, a utilização desta palavra composta para se referir ao ritmo apenas seria correta se realmente tivesse havido a fusão entre os dois estilos musicais. E então, houve?
Bailamos un Vals?
Em busca desta resposta, procurei lembrar-me das minhas viagens para Buenos Aires e percebi que sempre que estive por lá, nunca ouvi um argentino chamar este ritmo de tango-valsa. A palavra em espanhol utilizada para designá-lo é vals. Portanto, em sua lingua nativa diríamos que: los ritmos tocados en una milonga son el tango, el vals y la milonga.
Inclusive, já fui corrigido por um grande cantor e amigo argentino que me disse: “André, ou é tango ou é valsa. Não podem ser a mesma coisa. O tango tem o ritmo 2/4 ou 4/4, ou seja, binário ou quaternário, e a valsa 3/4, ou seja, ternário. Só poderia ser tango-valsa se a contagem do compasso fosse: 1,2,3,4 – 1,2,3.”
Parei para pensar e aquilo realmente fez sentido. Mas, será que este amigo não estava sendo muito radical em sua posição? Talvez ele fosse um apaixonado e teimoso defensor da cultura rio-platense e não quisesse admitir que a forma utilizada aqui no Brasil também estivesse correta.
Vals Criollo?
No final do século XIX, cidades portuárias como Buenos Aires e Montevidéo recebiam um grande volume de pessoas de diferentes países e culturas. Era comum e natural que diferentes artístiscas se influenciassem entre si.
Isso se passou com a valsa. Ao famoso estilo musical europeu somou-se as guitarras e as letras dos payadores (uma espécie de repentistas dos pampas) e surgiu o vals criollo (a mescla da cultura européia com a latina e africana, é chamada de crioula, ou em espanhol, criolla).
Posteriormente, este ritmo passou a ser introduzido ao repertório das orquestras típicas, a fim de variar um pouco os estilos musicais tocados no baile.
Porém, apenas houve uma influência local na maneira de se tocar valsa, e não uma mistura de ritmos que caracterizasse o surgimento de um novo estilo, como aconteceu com a milonga, que surgiu a partir da mistura do candombe, da habanera e da polka.
Mas, por que se parece?
O porquê disto acontecer é fácil de entender. Basta lembrarmos de alguma festa de casamento ou formatura da qual tivemos a oportunidade de participar. As bandas de baile que tocam nestas festas precisam de um repertório variado, que transita pelos diferentes ritmos brasileiros e internacionais.
No entanto, é utilizado pelos músicos os mesmos instrumentos, do início ao final da apresentação. Por mais diferença que eles consigam fazer entre um samba e um forró, por exemplo, estes ritmos acabarão sendo interpretados por uma guitarra, um contra-baixo, um teclado e uma bateria e terão uma sonoridade um pouco semelhante.
O mesmo aconteceu com as orquestras típicas de tango.O seu repertório de tangos, milongas e valsas eram interpretados pelos mesmos bandoneons, piano, violinos e contra-baixo.
Clique para ouvir Seleção de valsas
Então, como chamar?
Além destas questões técnicas, tem a questão que aqui no Brasil nós dançamos quase tudo. Num baile, é inadimissível que o repertório da banda ou do DJ não transite do bolero ao forró, passando pelo samba, pela salsa, zouk, merengue, fox-trot, swing etc.
Se aqui nós dissermos que queremos dançar valsa, todos pensarão imediatamente na valsa vienense. E até explicarmos que o que realmente queremos dançar é a aquela “valsa argentina” que se parece com o tango, mas não é, se gastaria energia e paciência desnecessárias. Portanto, tornou-se mais prático dizer que é tango-valsa.
Eu entendo que a forma correta de chamar este gênero seria simplesmente dizer Vals ou, traduzindo para o português, Valsa.
Alguns se perguntarão, mas e a vienense? Como não confundir?
Numa milonga, não é necessário explicar que você não está se referindo à vienense quando está pedindo uma valsa. Todos imediatamente entenderão.
Caso você não esteja num local onde as pessoas entendam a diferença entre um e outro estilo, talvez seja necessário se referir de uma forma mais exata e, às vezes, até dizer tango-valsa.
O que realmente é importante se entender é que não “ valsearam” o tango ou “tanguearam” a valsa. O tango e a valsa são dois estilos músicais diferentes que coexistem no mesmo universo do baile.
Quanto à forma de se dançar, se assemelham, embora sejam bem diferentes em suas nuances. Mas isto é assunto para um próximo post.
Abraços tangueros para todos!
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